O rapper italiano Fedez provocou polêmica na Itália ao acusar a emissora pública RAI de tentar vetar – sem sucesso – seu discurso em um show no qual atacou a oposição do partido ultranacionalista Liga, de Matteo Salvini, ao projeto de lei contra a homofobia.
A denúncia foi feita durante o tradicional concerto de 1º de Maio, no Auditorium Parco della Musica, em Roma, que foi realizado com público reduzido em decorrência da pandemia de Covid19, mas transmitido no canal Rai3.
Durante a apresentação, Fedez revela que seu discurso foi considerado “impróprio pela vicediretora da Rai3”, além de denunciar o bloqueio no Senado do projeto de lei que pune os crimes de homofobia, transfobia, misoginia e violência contra pessoas com deficiência, devido à relutância da Liga e do presidente da Comissão de Justiça da Itália, Andrea Ostellari.
“Ostellari decidiu que um projeto de lei de iniciativa parlamentar, portanto a expressão máxima do povo, já aprovado na Câmara como ‘Zan’, pode ser facilmente bloqueado pelo desejo de liderar por um indivíduo, ou seja, ele mesmo”, acusou o rapper.
Fedez começou a ler uma série de declarações homofóbicas de líderes do partido de extrema direita, como a de Giovanni De Paoli, conselheiro regional da Ligúria: “Se eu tivesse um filho gay, o queimaria no forno”.
“Segundo Ostellari, existem outras prioridades no momento, então vamos olhar para essas prioridades: o Senado tinha que discutir a rotulagem do vinho, a reorganização do Coni, o subsídio do bilinguismo dos policiais de Bolzano, a reintegração do direito vitalício de Formigoni”, disse ele, citando a alegada justificava para o projeto contra homofobia não ter sido votado.
“Então, segundo Ostellari, provavelmente o direito vitalício de Formigoni é mais importante do que a proteção de pessoas que são discriminadas todos os dias a ponto de sofrer violência?”, questionou.
Além disso, Fedez lembrou dos pedidos feitos pela RAI para modificar seu texto, declarando que o conteúdo deveria ser submetido à aprovação. O discurso, porém, foi considerado “impróprio” pela vice-diretora do terceiro canal da emissora pública, Ilaria Capitani.
A fala do famoso rapper provocou a ira de Salvini, que considerou que a Itália já protege os homossexuais, apesar de o grupo insistir que a legislação vigente não é suficiente. O ex-ministro do Interior ainda convidou Fedez para tomar um café e “conversar sobre liberdade e direitos”. “Para mim também o direito de um filho ter mãe e pai é sagrado”, defendeu Salvini. “Amo música, arte, sorrisos. Amo e defendo a liberdade de pensar, escrever, falar, amar. Todos podem amar quem quiserem, como quiserem, quanto ele quiser. E quem discrimina ou ataca deve ser punido,nos termos da lei”, alertou.
Em meio à polêmica, a RAI negou as denúncias e disse que nunca pediu antecipadamente os textos e que nunca praticou formas de censura preventiva contra qualquer artista. “Isso deve ficar claro, sem mal-entendidos e não aceitamos exploração que possa prejudicar a dignidade da empresa e de seus colaboradores’, diz a nota.
Apesar do posicionamento da RAI, Fedez publicou em suas redes sociais um telefonema em que um dirigente do canal é ouvido alertando o rapper de que seu discurso foi “editorialmente inadequado”.
“A RAI nega a censura. Aqui está o apelo em que a vice-diretora da RAI3, Ilaria Capitani, e seus colaboradores me pedem para ‘me conformar a um sistema’ dizendo que no palco não posso dar nomes e sobrenomes”, rebateu.
O CEO da RAI, Fabrizio Salini, por sua vez, argumentou que ”certamente nenhum ‘sistema’ existe e não deve existir na emissora”. Ele ainda pediu desculpas se alguém, falando apropriadamente em nome da RAI, usou essa palavra.
“Eu sou um artista e subo ao palco para dizer o que quero assumindo toda a responsabilidade. As frases que levo no meu discurso são declarações de vereadores da Liga que dizem que ‘se tivessem um filho gay o queimariam no forno”, alega Fedez no telefonema, visivelmente irritado. Após a polêmica, a esposa do artista italiano, Chiara Ferragni, uma das mais famosas “influenciadoras” do mundo, expressou o “orgulho” que sente pelo rapper.
Reações:
O caso repercutiu em toda a Itália e provocou reações de diversos políticos. O secretário do centro-esquerdista Partido Democrático, Enrico Letta, pediu esclarecimentos da RAI,agradecendo a Fedez o apoio ao projeto de lei Zan, enquanto o ministro das Relações Exteriores,
Luigi Di Maio, destacou que “um país democrático não pode aceitar qualquer forma de censura”. “Música é liberdade, transmite emoções e ajuda a compreender, analisar, amadurecer. Acho que o respeito é o mais importante e está na base de tudo, é saber aceitar críticas e ideias diferentes das nossas. E um país democrático não pode aceitar qualquer forma de censura”, afirmou o chanceler. “Conheço Fedez há muito tempo, além de ser um cantor muito talentoso, é uma pessoa que sempre põe o coração em tudo que faz. Todo artista deve ter a oportunidade de se expor livremente, expressando suas ideias”.
O ex-primeiro-ministro da Itália Giuseppe Conte também declarou apoio a Fedez, assim como a prefeita de Roma, Virginia Raggi. “Fedez foi ótimo e tem razão. Precisamos começar de novo do trabalho, do apoio aos que ficaram e pelos direitos de todos”, disse ela.
Já Salvini voltou a criticar a postura do rapper. “Fedez e Rai 3, toda polêmica interna na esquerda. Artista de esquerda, ‘censores’ de esquerda. Viva a música e a liberdade. Estamos esperando que alguém pague e renuncie “, tuitou.
A Câmara dos Deputados da Itália aprovou o projeto de lei que pune os crimes de homofobia, transfobia, misoginia e violência contra pessoas com deficiência em novembro de 2020.
O texto, que tem Alessandro Zan, do Partido Democrático, como relator, inclui a homofobia e transfobia no Código Penal nos artigos que punem atos de violência e discriminação por motivos raciais, étnicos ou religiosos.
Em caso de aprovação pelo Senado, quem cometer os crimes poderá pegar penas de até um ano e seis meses de detenção no caso de discriminação e instigação à discriminação, e de até quatro anos no caso de atos violentos.
No entanto, o projeto de lei foi agendado para ser discutido no comitê de Justiça do Senado há apenas três dias