ONGs que operam navios humanitários no Mediterrâneo afirmaram que um novo código de conduta imposto pelo governo da Itália vai tornar “ainda mais perigosa uma das rotas migratórias mais mortais do mundo”.
O documento conjunto é assinado 18 entidades, incluindo Médicos Sem Fronteiras (MSF), Emergency, Mediterranea Saving Humans, Mission Lifeline, Open Arms, Sea-Eye e Sea-Watch, que são presença frequente em missões de socorro no Mediterrâneo Central, trecho de mar entre o norte da África e o sul da Itália.
“Nós, organizações civis empenhadas em atividades de busca e socorro no Mediterrâneo Central, expressamos nossa mais viva preocupação com a última tentativa de um governo europeu de obstruir a assistência a pessoas em dificuldade no mar”, diz o comunicado.
“O novo decreto-lei reduzirá as capacidades de socorro no mar e tornará ainda mais perigoso o Mediterrâneo Central, uma das rotas migratórias mais mortais no mundo”, acrescenta.
O decreto do governo de Giorgia Meloni entrou em vigor em 3 de janeiro e estabelece que navios de ONGs naveguem para o porto designado pelas autoridades italianas imediatamente após cada resgate.
Segundo as entidades humanitárias, isso vai limitar a quantidade de operações de socorro realizadas em cada missão e reduzirá o número de pessoas resgatadas – é comum que navios de ONGs socorram vários barcos clandestinos e botes infláveis antes de rumar a um porto seguro.
“A ordem de proceder imediatamente rumo a um porto, enquanto outras pessoas estão em dificuldade no mar, contradiz a obrigação do comandante de prestar assistência imediata a pessoas em dificuldade. Esse elemento do decreto é agravado pela recente política do governo italiano de designar portos distantes, que estão a até quatro dias de navegação da última posição do navio”, afirmam as entidades.
Além disso, o código de conduta determina que os solicitantes de refúgio sejam informados sobre a possibilidade de pedir proteção internacional no país de bandeira do navio humanitário, medida que busca tirar da Itália o peso do primeiro acolhimento aos deslocados internacionais, que, em sua maioria, já seguem viagem para outros Estados-membros da União Europeia.
“É dever dos Estados iniciar esse processo, e um navio privado não é o lugar adequado para fazê-lo. Os pedidos de refúgio devem ser tratados apenas em terra firme, após o desembarque em um lugar seguro”, defendem as ONGs.
As entidades, que estão sujeitas a multas de até 50 mil euros e ao confisco de suas embarcações, ainda dizem que o decreto contradiz “o direito marítimo internacional, os direitos humanos e o direito europeu”.
O governo Meloni, por sua vez, alega que o código de conduta busca prevenir que os navios humanitários funcionem como suposto fator de atração para migrantes e coiotes.
Em 2022, a Itália recebeu cerca de 105 mil deslocados internacionais via Mediterrâneo, um crescimento de mais de 50% na comparação com o ano anterior, segundo o Ministério do Interior.
Dados relativos até novembro apontam que os navios de ONGs são responsáveis por apenas 12% dos migrantes forçados que desembarcam nos portos italianos.