Pesquisa sobre tráfico de pessoas realizada em três países mostrou que as vítimas desse tipo de crime nem sempre conseguem reconhecer a condição de exploradas. Muitas vezes, os aliciadores se juntam a elas de tal forma que não percebem a atuação da rede de tráfico. O estudo revela que as motivações para emigrar são diversas e variam conforme os grupos sociais.
Dificuldades para conseguir emprego no Brasil, desejo de viver uma experiência europeia, a glamurização da vida fora do País e até a fuga de violações de direitos, em especial, para transexuais e transgêneros, aliados à falta de informação, podem aumentar a vulnerabilidade dos brasileiros que vão para o exterior.
Entre 2009 e 2010, foram feitas 84 entrevistas com autoridades policiais, funcionários governamentais, procuradores, investigadores e representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs). O trabalho desenvolvido pelo International Centre for Migration Policy Development (ICMPD) é fruto de parceria com a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, responsável pela política de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Fábio Botto Farhan
A pesquisa está relatada no livro Jornadas Transatlânticas – Uma pesquisa exploratória sobre tráfico de seres humanos do Brasil para Itália e Portugal, lançado, no País, este mês. A publicação é resultado do Projeto Promovendo Parcerias Transnacionais: Prevenção e Resposta ao Tráfico de Seres Humanos do Brasil para os Estados Membros da União Europeia, financiado pela Comissão Europeia.
Outro resultado trazido pelo estudo é o de que a ocupação das vítimas muda para atender às demandas por trabalho dos países de destino. Elas podem exercer o trabalho de cuidadores, técnicos da construção civil, babá, chefe de cozinha, e também serem vítimas para o mercado do sexo.
“Muitas vezes, a situação pode ser de tráfico, de exploração laboral ou de dependência. Isso dificulta tanto as políticas de atenção como de prevenção”, explica a oficial de projetos do ICMPD, Fabiana Gorenstein, coordenadora do trabalho.
As entrevistas foram divididas entre Brasil, Itália e Portugal. O estudo brasileiro centrou-se em São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal – estados apontados pelos parceiros do projeto como a origem de um grande número de presumíveis vítimas brasileiras.
A pesquisa identificou também aumento contínuo no recrutamento de transexuais e mulheres das áreas periféricas do Nordeste e da região Amazônica. Paraná, Pará, Piauí e Pernambuco também apareceram como outros estados de origem.
Na Itália, não foi encontrada evidência de tráfico de órgãos para transplante, nem para adoção ilegal. O principal perfil encontrado foi o de transexuais para exploração sexual. As vítimas já chegam com uma dívida com os exploradores de cerca de 15 mil euros, correspondente à viagem. Seus documentos são retidos e são também obrigadas a pagar cafetinas por alimentação, aluguel, propaganda na internet e local de trabalho.
A pesquisa atende a demanda do governo italiano que queria conhecer a situação da migração das transexuais brasileiras envolvidas no mercado do sexo. A Itália é considerada o país europeu mais procurado por transexuais brasileiras e prostitutas, porém sua rede de enfrentamento é a mais organizada.
Sobre Portugal, o estudo revela que, devido aos laços históricos, há também uma forte tendência de migração para o país entre os cidadãos brasileiros. As mulheres são as vítimas de tráfico de pessoas mais frequentes, com fins de exploração sexual. Para a exploração laboral, são recrutados homens e mulheres para serviço doméstico e construção civil. Em geral, as vítimas têm sempre o objetivo de melhorar suas condições de vida.
Os entrevistados portugueses não revelaram casos de tráfico de pessoas nos últimos dois anos, embora soubessem definir o conceito desse crime. “Não sabemos se é uma subnotificação. Há um discurso baseado em algo que não são evidências concretas. É preciso aprofundar mais essas relações para conhecer a realidade no país”, afirma a oficial de projetos do ICMPD, Fabiana Gorenstein.
Como resultado geral, a pesquisa traz também recomendações relativas à cooperação sobre tráfico de pessoas entre Brasil e países destinos que podem ser usadas na criação de políticas, como a necessidade de informar melhor os cidadãos brasileiros sobre os riscos do tráfico de pessoas e sobre os direitos dos migrantes. Essas recomendações já estão sendo cumpridas.
O projeto Itineris, realizado pelo ICMPD em parceria com o Ministério da Justiça e outras instituições, auxilia essa tarefa. O projeto deve lançar, este ano, uma página na internet e uma cartilha, além de realizar capacitações para as Superintendências do Trabalho em todos os estados – com o intutito de oferecer informações a pessoas que querem morar no exterior, de forma a proporcionar uma migração segura. Esse material será distribuído pela rede de postos e núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
No prefácio do livro, o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, ressalta que o Estado deve promover e incentivar a realização de pesquisas. Abrão afirma que um dos maiores desafios nos esforços de enfrentamento ao tráfico de pessoas é a escassez de dados concretos sobre as rotas utilizadas para o crime e o número de pessoas vitimizadas