Fora do poder desde fevereiro, o ex-primeiro-ministro da Itália Giuseppe Conte está no centro de mais um capítulo da longa crise de identidade enfrentada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S).
Em 3 de março de 2018, com menos de 10 anos de existência, o M5S havia furado a polarização esquerda direita e alcançado 32% dos votos nas eleições legislativas, tornando-se o primeiro partido antissistema a chegar ao governo em uma das grandes democracias do Ocidente.
Desde então, o movimento vem perdendo popularidade e lutando para reencontrar um discurso que unifique suas facções internas.
A disputa mais recente envolve o fundador e principal nome do M5S, o comediante Beppe Grillo, e o ex-premiê Conte, que vinha sendo apontado como uma figura de consenso para refundar o partido.
Advogado de formação, ele surgiu na política italiana em junho de 2018, quando foi indicado pelo M5S para liderar um governo de coalizão com o partido de extrema direita Liga, mas só se filiou formalmente ao movimento em 2021, após ser forçado a renunciar ao cargo de premiê devido a uma crise política.
Expoentes do M5S, como o ministro das Relações Exteriores Luigi Di Maio, vinham indicando que Conte seria o escolhido para liderar o partido nessa nova etapa, porém o ex-primeiro-ministro deixou claro que não está disposto a ter Grillo como sua sombra.
O comediante nunca quis se candidatar a cargos políticos, mas ainda é considerado a principal figura no M5S, onde exerce a função de “garantidor”, uma espécie de guia supremo que, embora distante das negociações do dia a dia, ainda responde pelas posições ideológicas do partido – após a queda de Conte, o M5S só aceitou fazer parte do governo de Mario Draghi com o aval de Grillo.
“Surgiram diferenças de opinião com Grillo sobre alguns aspectos fundamentais. Acredito que não tem sentido pintar de branco uma casa que precisa de profundas reestruturações. Sempre disse que não me prestaria a uma operação de fachada”, declarou o ex-primeiro-ministro em coletiva de imprensa.
De acordo com Conte, uma força política que busca governar o país “não pode ter um líder pela metade”. “Frequentemente sou descrito como um homem da mediação, mas sobre isso não pode haver mediação. É necessária uma liderança forte e sólida, uma diarquia não vai funcionar, não pode haver um líder nas sombras acompanhado por um laranja”, acrescentou.
O objetivo de Conte é apresentar um novo estatuto e submetê-lo a uma votação online entre os inscritos no movimento. “Beppe sabe muito bem que sempre o respeitei. Cabe a ele decidir se quer ser um pai generoso que deixa sua cria crescer de forma autônoma ou um pai durão que se opõe à emancipação”, disse.
Reação
Grillo, por sua vez, veio a público e acusou o ex-premiê de não ter “visão política nem capacidade de gestão” para refundar o M5S. “Ele não tem experiência de organização nem capacidade de inovação”, acrescentou.
De acordo com o comediante, um movimento criado para disseminar a democracia direta não pode se transformar “em um partido personalista governado por um estatuto do século 17”. “Organizações horizontais como a nossa não podem resolver os problemas delegando a solução a uma pessoa”, disse.
Para Grillo, o melhor caminho é convocar os inscritos a elegerem um “comitê diretivo” que elabore um “plano de ação daqui até 2023”, ano para o qual estão previstas as próximas eleições legislativas na Itália.
Em 1º de junho de 2018, o M5S assumira o governo em uma coalizão com a Liga, prometendo uma “nova era”.
No entanto, a supremacia do então ministro do Interior, Matteo Salvini, e a aliança com a ultradireita afastaram aqueles eleitores progressistas que viam o movimento como uma nova esquerda.
Em agosto de 2019, a Liga rompeu a coalizão para tentar forçar a convocação de eleições antecipadas, mas o M5S deu uma guinada inesperada e se aliou a seu maior inimigo até então, o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.
A nova coligação afastou parte daqueles eleitores que haviam se aproximado do movimento por causa de seu discurso antissistema e eurocético e que preferiam a parceria com Salvini. O M5S ainda tem a maior bancada no Parlamento, mas hoje aparece apenas em quarto lugar nas pesquisas, atrás da Liga, do PD e do partido Irmãos da Itália (FdI), que está à direita de Salvini.