
O governo de Giorgia Meloni tentou reposicionar-se no Médio Oriente, apostando na normalização das relações com Assad em troca da proteção dos cristãos e do regresso dos refugiados. Uma tentativa que naufragou com a queda do regime a 8 de dezembro passado.
A prudência da União Europeia quanto aos resultados a curto e longo prazo da mudança de regime na Síria é partilhada por um ator que acompanha de perto a evolução da queda de Assad: a Itália.
Se a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, se deslocou à Turquia para compreender os planos de Ancara para o futuro do seu vizinho, e a ONU enviou o seu enviado especial para falar com os novos dirigentes de Damasco, o governo de Roma parece já ter jogado as suas cartas diplomáticas sem sucesso.
Isto foi sublinhado pelo diário francês Le Monde, que na quinta-feira dedicou um artigo à política italiana para o Médio Oriente.
Como a Itália tentou reavivar as relações com a Síria de Assad
Há meses que o governo de Meloni tenta reposicionar-se no Médio Oriente, concentrando-se em Damasco, segundo o diário francês, que resume esses esforços classificando-os como uma “aposta perdida”, à luz da conquista da capital síria pelos rebeldes, a 8 de dezembro.
Em julho, Roma tinha anunciado o envio de um embaixador, Stefano Ravagnan, para Damasco, que tinha sido temporariamente deslocado para o Líbano. Itália foi o primeiro dos países da UE e o único do G7 a tentar uma normalização diplomática com o regime de Bashar al-Assad, após treze anos de guerra civil.
Ravagnan não teve oportunidade de apresentar as suas credenciais ao governo sírio (a residência diplomática foi invadida a 7 de dezembro por rebeldes que avançavam no interior de Damasco). Mas a decisão de abrir uma residência diplomática parecia distanciar definitivamente Itália da posição sobre a Síria há muito partilhada com a França, a Alemanha, o Reino Unido e os EUA.
Um dos sinais desta mudança foi a conversa relatada nos últimos dias pela versão árabe do jornal britânico The Independent, que teve lugar pouco antes da queda do regime sírio, entre o chefe dos serviços secretos sírios, Hassan Luqa, e o seu homólogo italiano.
Luqa falou do apoio recebido de “Giovanni Caravelli, o chefe dos serviços secretos italianos, que explicou que o apoio da Rússia à Síria não podia ser ignorado”, sem no entanto especificar o tipo de apoio prometido pela Aise (Agenzia informazioni e sicurezza esterna, o serviço secreto italiano que o general Caravelli dirige desde 2020 e do qual é diretor-adjunto desde 2014).
Uma conversa que se seguiu a um encontro entre os dois nos meses anteriores, que alegadamente se centrou na possibilidade de aliviar as sanções internacionais sobre a Síria em troca da criação de uma zona segura no interior do país onde os refugiados sírios que chegaram à Europa pudessem regressar.
O Le Monde escreve que a conversa não foi desmentida pela primeira-ministra italiana, interrogada sobre o assunto no parlamento, e recorda que, em 2018, Ali Mamlouk, chefe da segurança nacional síria e já sob sanções internacionais, foi recebido em Roma pelo Aise.
Eixo Roma-Damasco para as comunidades cristãs e a ajuda pós-terramoto
O governo Meloni retomou os contactos com as autoridades sírias, em primeiro lugar, sobre questões humanitárias, como a ajuda enviada por via marítima em fevereiro de 2023, na sequência do terramoto que atingiu a Síria e a Turquia.
Foi a primeira vez que um país da UE o fez desde a eclosão da revolução síria em 2011 e, em todo o caso, nos anos em que o regime de Assad, com o apoio da Rússia e do Irão, continuou a bombardear as zonas controladas pelos rebeldes e a cometer violações dos direitos humanos, tal como denunciado pelas organizações no terreno.
Para além disso, as minorias cristãs do país foram alvo de uma atenção constante, tendo o Vaticano chegado ao ponto de apelar a um abrandamento das sanções internacionais contra Damasco.
A 11 de dezembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, reafirmou que a proteção dos cristãos na Síria continua a ser uma “prioridade” da política externa italiana: uma declaração a contrastar com outras na Europa que aplaudiram a queda de Assad e admitiram uma aproximação ao Hayat Tahrir al-Sham (HTS) e outras facções islamitas que chegaram ao poder.
O equilíbrio entre as declarações simbólicas e a diplomacia de bastidores é uma constante na política internacional e o próprio mundo árabe tem vindo a readmitir progressivamente a Síria de Assad nas suas fileiras para contrariar a influência do Irão na região.
Para já, a Itália alinhou com outros países da UE (Áustria, Alemanha, Suécia e Dinamarca), suspendendo a avaliação dos pedidos de asilo de cidadãos sírios.
Mas o diário francês conclui que Roma ainda está a tentar perceber a sua posição em relação ao governo provisório de HTS, arriscando-se a “perder outra aposta”.